30.5.08

CNBB e Células-Tronco

A CNBB chiou, mas um pouco de sanidade prevaleceu e o STF aprovou a pesquisa com células-tronco (ainda que em condições limitadas).

Quem achou ruim, que vá reclamar ao bispo.

Ah, é... Ele não vai poder fazer nada, porque o Estado é laico. =)

Confira:
http://noticias.br.msn.com/brasil/artigo.aspx?cp-documentid=7803423

29.5.08

Socialismo Libertário

Socialismo como base. Entendo-o como a submissão da dimensão econômica à soberania popular (democracia plena) através de um racionalizar da produção, condicionando-a às necessidades, às capacidades e, mesmo, aos gostos de todos.

Libertário significa que almejo uma sociedade suficientemente segura de suas similitudes fundamentais, do respeito à mínima lei do Humanismo (nada acima da Pessoa e nenhuma Pessoa acima de outra) que não lhe seja nada difícil abraçar a diversidade de comportamentos em uma harmonia deliciosa. As idiossincrasias e as excentricidades, desde que não firam o príncipio essencial da convivência, são muito bem-vindas.

Em outras palavras: sou Anarquista. Um anarquista (servo da mais perfeita ordem) no caos (de nosso descontrole econômico que nos leva a abandonar os outros à própria sorte e dizer que são livres).

Sou anarquista, sim. Não dos que lançam coquetéis molotov em embaixadas, mas dos que querem entender como, através de subterfúgios sutis, podemos alcançar nossa real Liberdade (coletiva, não meramente individual - que acaba sendo egocentrismo pueril disfarçado de atitude libertária).

Oras, sou anarquista, sim. Mas de esquerda! Não sou um direitista irritante que distorceu uma palavra tão bonita, criando uma aberração ideológica, esse que vagam pelo orkut sob o nome de "Libertários".

Tantos caíram pelo caminho, descrentes de tudo. Mas vale a pena lutar! Se amamos alguém a quem desejamos um mundo melhor, vale a pena até mesmo sacrificar nossa própria existência!

Mas, como diz a canção, "as pessoas da sala-de-jantar são ocupadas em nascer e morrer".

26.5.08

Sul-América


Um sonho antigo que pode virar realidade é a tão sugerida e pouco visível integração sul-americana. Nosso presidente tem se reunido com os governantes de outros países de nossa porção do continente para discutir uma espécie de União Européia dos trópicos. Louvável. O primeiro problema surge na aparente ênfase na cooperação econômica e militar entre os países da região, com pouco sendo falado sobre necessárias integações política, lingüística e cultural. O Brasil sempre foi um país deslocado, que não se encaixa em grupos, com uma História peculiar. Será preciso que abandonemos séculos de isolamento e suspiro pela Europa (e agora EUA) para darmos as mãos a nossos hermanos e partimos juntos na caminhada.

Também há o problema da difícil conciliação dois blocos de esquerda da América do Sul. De um lado, Venezuela e Bolívia, por exemplo. Do outro, Brasil e Chile. Modelos distintos. Por onde iremos. Eu voto em tentar aderir a um modelo próximo da social-democracia para começar. Com grande ênfase na educação (está na hora de revermos os livros de História e Geografia para darmos mais ênfase à região) e na melhoria dos serviços públicos. Uma bolsa-família para toda a região ajudava, mas melhor mesmo seria implantar o projeto de renda-mínima do Suplicy. O quanto antes. Incentivar o intercâmbio entre universidades sul-americanas. Integrar as pessoas e não só as moedas. Por sinal, só pode haver moeda única se houver unidade na política econômica. E aí quem vai mandar?

De toda forma, apoio essa causa. E torço pra que saia do papel.

http://noticias.br.msn.com/brasil/artigo.aspx?cp-documentid=7689018

23.5.08

Parabéns ao TJ-SP!!!

Segundo decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), portar droga para consumo próprio não é crime. Já é um avanço - não só em nome de uma futura e inevitável legalização do uso de drogas, mas da própria coerência. Se esse uso não ofende a terceiros, é uma opção pessoal e portar bebida alcoólica não dá cadeia, por que diabos portar cocaína, maconha ou crack daria?

Vitória do bom senso ante a truculência da Direita "a-culpa-é-sua-maconheiro". Essa gente que se preocupa mais se o filho está fumando baseado do que se está formando gangues para espancar - bêbados ou não - pessoas indefesas! E a culpa da brutalidade nos morros não é do usuário que "financia" o tráfico, é do Estado que abandonou a área, da publicidade que fratura a alma dos jovens ao atar sua identidade e aceitação social ao consumo voraz, de nossa cultura racista (somos racistas, sim!) e classista - que vai barrando oportunidades àqueles que serão cooptados pelo tráfico, da indústria das armas que fornece todo o necessário, da polícia - em grande parte corrupta, visceral, despreparada etc.

Do mesmo modo que a Chicago da Lei Seca não tinha seu crime ligado aos apreciadores de um bom uísque, não vamos cometer a burrice de relacionar todas as mazelas sociais das favelas aos usuários de drogas!

21.5.08

esquerdas e equívocos


Não é de hoje que boa parte da esquerda tem o péssimo hábito de apoiar qualquer pretenso messias que vocifere duas ou três palavras de ordem que caem no gosto da multidão extática. São as raízes judaico-cristãs do Ocidente que nos levam a tal disparate? É uma mania desagradável essa de eleger ídolos para os miseráveis, campeões da justiça social... e entregar de modo tão vergonhoso todos os nossos sonhos aos despropósitos de quem quer que seja.

Agora é esse militar bonachão, metido a frases de efeito e lastimáveis mostras de falta de tato. Sutileza é a palavra-chave da política. Os militantes podem até fazer alarde em momentos-chave, mas - cáspita! - governantes têm de manter algum decoro. Ainda mais um de esquerda - se de esquerda for. Argumentos não nos faltam, amigos. Pra que, então, apelar pra estupidez? Perdemos nossa herança iluminista e viramos românticos, ébrios de nonsense?

Vamos apoiar qualquer um que se diga de esquerda? Estamos tão carentes de líderes que vamos abanar o rabinho pra qualquer coronelzinho megalomaníaco que se pretenda comandante da Revolução ("bolivariana" - válida para toda a América Hispânica então? Pensem nisso)? De meu lado, eu diria que Bakunin se reviraria no túmulo se os anarquistas (na qualidade de membros da esquerda) apoiassem tal tipo de "revolução", concedida verticalmente por um fulano que se pensa porta-voz do povo! Mesmo Marx e Engels (patriarcas do comunistas, nossos fraters e tantas vezes algozes) não apoiariam tal disparate. Foi justamente esse voluntarismo ingênuo que levou às pretensas "revoluções socialistas" pelos grotões do mundo, com as conseqüências que bem conhecemos.

Não apoiamos Fulano ou Beltrano em si. Só lhe damos apoio na medida em que ele governe segundo os ideais que defendemos. Não importa se ele veste vermelho e grita "Viva o Che!", nem se cita o Chomsky ou protesta contra o "imperialismo ianque". Blá-blá-blá. Não importa sequer se ele, como nosso presidente, tivesse um histórico invejável de luta "pela causa". Importa que a revolução não só não será televisionada, como não será concedida. Ela se dá. E é o povo que a faz, com suas próprias mãos.

Felizmente, Chávez é mais patético que perigoso. Ele não é Stalin ou Mao. Não é sequer Lênin - e isto é ótimo. É hora de abandonar o caudillismo e julgar os líderes por seus atos, não pela posição ideológica que dizem defender. Lutar por ações concretas em vez de aplaudir discursos vazios. Nada de salvadores! Todo poder ao povo, não a seus ridículos governantes!

E agora, como se não bastasse apontar capetas na assembléia da ONU, esse Bush vermelho dos trópicos pretende falar em nome de "Deus", exatamente como seu pretenso algoz. É como canta certeiramente Bob Dylan: qualquer Zé Mané diz que tem "God on his side".

16.5.08

A Califórnia subiu no meu conceito

Oi, oi, oi... e não é que, apesar de ter como governador um republicano típico (truculento e tapado), a Califórnia honrou a São Francisco em seu cerne e removeu a proibição do casamento gay! Falta muito pra aquele Estado virar a Holanda americana que poderia ser, mas já é um avanço. Afinal, São Francisco é quase que o berço da contracultura! Quiçá, possamos nos inspirar no exemplo e fazer avançar essa lei que não tem nenhum obstáculo a enfrentar salvo a ignorância generalizada de nossos políticos e muitos de seus eleitores.

Veja a notícia no link abaixo:
http://noticias.br.msn.com/artigo_bbc.aspx?cp-documentid=7489051

14.5.08

Ar engarrafado


Como todos já devem saber, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pediu demissão. Há quem comemore. A bancada ruralista só falta dar pulos de alegria. Sugiro que façam churrascos de peixe-boi em suas fazendas de gado e soja. A mesquinharia economicista venceu mais uma batalha. Em nome do pretenso "crescimento" devasta-se nações de terra amazônica. E não se trata de pôr os peixes acima dos humanos. Trata-se de não destruir a própria casa. Senão, como diz a Bíblia (que a Direita adora citar levianamente), o vento será nossa herança. O vento desértico que vai intoxicar os pulmões e nos forçar a comprar o que já foi de graça.

Hoje pagamos caro pela água que antes sorviamos dos rios. Amanhã, engarrafarão o ar. Poderemos adquiri-lo em máquinas de refrigerante. Eis o supremo paraíso dos capitalistas. Quando o último recurso natural gratuito for contaminado... quanto tudo que ainda houver de natureza "intocada" estiver disposta em museus, reservas particulares, zoológicos e oceanários... nada mais será de graça. Tudo, enfim, será Mercado.

Ministra, tua saída entristece a todos que esperávamos um mínimo de bom senso dos recém-convertidos aos ditames de Moloch, à doutrina sacro-santa do deus Consumo. Parafraseando o espanto de um índio ante a cobiça dos colonizadores europeus: "Essa gente come dinheiro?". Quando os últimos mananciais de vida forem esgotados, os sábios especuladores e os mega-empresários definharão felizes em suas mansões de luxo?

4.5.08

mal-estar

a autonomia do ponto é a ignorância da trama.
a idéia da cerca detém mais que o arame.

a temer? este alvor consentido!
putrefazem o virá, as carcaças? resisto

e os senões me espedaçam! recebo
e este pus nunca cessa! serenar. esquecer.

tanta a lama nutriu nosso papa...
não a terá preenchido a canalha?



[p.s.: "Je suis crapule", como diz Rimbaud. "Eu sou da canalha".]
[p.s.p.s.: poema meu publicado no overmundo. Reflete bem meu dilema cotidiano.]

2.5.08

LOAS - Livre Orientação Afetivo-Sexual como direito fundamental da pessoa!


O desenho acima é de Adão Iturrusgarai, um de nossos mais importantes quadrinistas. Pode parecer um ataque gratuito, mas não é. Não sei se o papa atual tem suas taras por jovens avantajados, mas a História da Igreja é tão repleta de escândalos sexuais que seria mais honesto da parte deles rever seus conceitos de uma vez. Preferem, contudo, a hipocrisia dos claustros, dos bebês enterrados no subsolo, das transferências apressadas. Seria mais digno se rasgassem as batinas e promovessem orgias no confessionário. Seria mais humano. O Papa e seus associados precisam trepar mais às claras.


Não estou questionando as crenças fundamentais do catolicismo: santíssima trindade, eucaristia, ressurreição dos mortos etc. Estou apenas questionando os preceitos que envolvem a sexualidade, porque a Igreja tem sido o principal inimigo, no Ocidente, da Livre Orientação Sexual. Assim como se pode lutar contra a Inquisição sem deixar de ser católico, pode-se questionar, dentro de qualquer religião, determinados preceitos que vão contra os direitos fundamentais da pessoa sem deixar de pertencer à religião específica. Não é preciso levar o pacote completo. Toda religião pode ser melhorada. Como humanista, não vejo nada mais sagrado do que a pessoa. É em nome da Pessoa que faço um clamor aos conservadores: abram a cabeça! Enxerguem a pessoa que há em cada "herege", "pervertido", "infiel". E esse é um clamor que faço a conservadores de todas as religiões, mesmo os laicos. É de amor que falamos.


Minha moral afetivo-sexual é simples. Todos os intercursos afetivo-sexuais são legítimos desde que haja reconhecido consentimento dos participantes. Assim, desde que as pessoas envolvidas estejam em pleno uso de sua faculdade de consentir (maduras e sanas o bastante) e de fato consintam com a relação durante todo o seu desenrolar, não importa que sejam do mesmo sexo ou da mesma família. É uma postura que decorre naturalmente de minhas considerações humanistas e sei que é difícil os conservadores aceitarem, mas, se de fato desejam, tendo ciência do que desejam, e todos atestam que o desejo de fato é recíproco, por que diabos não amar?


Como é preciso maturidade para consentir, é preciso que as partes não sejam muito jovens. Dependerá da educação dada, dos costumes do grupo e fatores correlatos determinar uma idade padrão para início da vida afetivo-sexual (ritos de iniciação na comunidade podem marcar essa data) ou analisar caso a caso. Também é preciso que as partes envolvidas estejam em pleno uso de suas faculdades físicas e mentais. Não importa nada como homossexualidade, heterossexualidade, bissexualidade, panssexualidade ou assexualidade... Importa o real desejo, o real consentimento. Se alguém amar, a princípio, pessoas do mesmo gênero, e depois uma de outro gênero, e depois três de gêneros variados, e todas consentirem, não se deve reprová-la como devassa, pervertida, confusa. Se todos consentem, por que não?


Os únicos fatores que detêm a livre orientação são o risco de uma gravidez indesejada e a possibilidade de adoecer. Por isso boa parte da Direita tenta impedir a distribuição de camisinhas, anticoncepcionais e até vacinas contra HPV (doença que, por sinal, é transmitida também fora de relações sexuais)! Por isso o impedimento do aborto, mesmo em casos de estupro (relação não-consentida, por isso sempre execrável!). Odeiam o sexo, porque odeiam o corpo, e assim acabam por odiar a vida. Se desvincularmos o sexo da gravidez e minimizarmos as chances de contrair DSTs, o caminho estará aberto para uma nova forma de encarar a sexualidade e o próprio afeto. E quão maravilhoso pode ser o mundo que daí advenha!

1.5.08

Yom HaShoah


Nunca será demais lembrar os milhões de judeus que perderam suas vidas sob o nazismo. Em tempos anti-sionistas, convém também recordar que nenhum Estado nacional se estabeleceu pacificamente e existem povos subjugados de modo muito (realmente muito) mais degradante do que os palestinos por Israel. Não comparem - em nome da razão humana, eu clamo -, não comparem o conflito israelenses/palestinos com o massacre dos judeus e ciganos e negros e gays e comunistas e testemunhas de Jeová etc. pelos nazistas. Basta ver os curdos ou os chechenos. E quantos erguem a voz para denunciar? Voltem o olhar para os conflitos desumanos na África e as barbaridades genocidas nos Balcãs!
Sou favorável à criação de um Estado palestino ao lado do Estado de Israel. Isso deve ser feito o quanto antes e do modo mais pacífico possível. Questionar a legitimidade do Estado de Israel (único país que tem sua legitimidade questionada) só nos leva a crer, como Glucksmann, que a judeofobia (termo de Bauman que calha melhor que "anti-semitismo") contaminou também a esquerda.
Façamos silêncio em nome das pessoas mortas no Shoah e reflitamos serenamente sobre modos de impedir que catástrofes assim se repitam. Não desonremos sua memória banalizando seu martírio, pelo amor de YHVH e ALAH!

maio de 68

Há exatamente quarenta anos, intelectuais de diversos países convulsionaram o Ocidente ao realizar o Ocidente com mais ímpeto que os séculos prévios. Jamais a igualdade foi defendida tão docemente. A revolução sexual começa com a conquista gradual de direitos por pessoas de gênero feminino e de orientação sexual hererodoxa. Conseguiu-se também que pessoas de coloração heterodoxa não fossem mais tomadas como inferiores impunemente. As crianças não seriam mais construídas ao bel prazer dos professores. Os casamentos não seriam mais sentenças de prisão perpétua. O sexo não seria mais encarado tão somente como mero mecanismo de procriação.

A liberdade veio da igualdade. Eis porque a direita execra a geração de 68. Como disse Hobsbawm, com a propriedade de costume, "a Idade Média acabou de repente" na década anterior aos eventos. Não à toa, Sarkozy falou que a França devia se livrar do "cinismo de 68". Mas o cinismo é da patotinha do primeiro ministro francês. Vivemos tempos cínicos porque estamos perdendo o espírito daqueles jovens. A direita recupera-se de sua própria estupidez e tenta ganhar ares de verdade esquecida. A intolerância cresce ao redor do globo. Os racistas e os sexistas ganham batalhas acadêmicas. A homofobia se espalha. Mas também aumenta o desejo de fechar-se em uma identidade resistente clara e aceitar o discurso reinante de que a desigualdade é inevitável. Os guetos proliferam. A liberdade decai.

A sociedade de consumo absorveu os ideais e os esvaziou para mercantilizá-los. "Eles venceram e o sinal está fechado pra nós, que somos jovens", como diria Belchior. Woodstock agora só se for "free of drugs". A nosso redor, quantas práticas terapêuticas! O que representam? Quem está doente? O Ocidente está. Esqueceu seus fundamentos. Trocou seus ideais por uma televisão de plasma. E os jovens a lutar tão só para não pagar o ônibus. Decaímos.

A morte do criador do LSD, Albert Hofman, na última terça-feira, marca o fim de uma era. "O sonho acabou" e já não nos deixam dormir. Vivemos em tempos cínicos, vivemos em tempos desiguais. A falta de liberdade é conseqüência. Vivemos em tempos caretas, em tempos beatos, em tempos apáticos. Tempos mesquinhos, como bem notam Badiou, Bauman e tantos outros. Como dizia Gonzaguinha em 1981: "Não há nada mais maior de grande do que a pessoa". É isso que o maio de 68 nos ensinou e agora parecemos esquecer.

sobre o jornalismo

Texto meu, publicado no Overmundo (http://www.overmundo.com.br/overblog/um-outro-jornalismo-e-possivel). Da época da graduação. Não alterei uma vírgula. Como o outro que publiquei, nem sequer fiz uma revisão para corrigir os erros. Vai como foi.


Um outro jornalismo é possível?

Tenho uma visão equivocada do Jornalismo, já me disseram e concordo. Associo, que crime!, os membros dessa irmandade maçônica aos antigos bardos, bravos narradores de eras remotas, que muito antes do cinema inventaram um jeito de projetar imagens de longínquas odisséias para deleite dos desafortunados que passavam suas vidas miseráveis distantes dos grandes eventos. Os poetas de então rondavam léguas sem fim, perpetuando os nomes dos heróis, incitando o temor aos deuses, cativando a audiência, as mentes jovens do mundo.

Nesse ponto devo argumentar em meu favor que sou louco, que me encontro atado à nau da insânia a milhas de qualquer cais. Afinal, sugiro ter sido o grande Homero nada mais que um precursor da Imprensa! Os iluminados que compuseram os vedas não obtiveram um furo de reportagem ao dissecar a essência sutil dos homens? E, por acaso, não se valeram de alguns “critérios de noticiabilidade” os felizes autores da Bíblia? Ora, graças a Deus, naqueles tempos não havia ainda a décima terceira praga, a técnica da pirâmide invertida!

Que temos nesses exemplos, quiçá exagerados, mas ainda assim sinceros, que se possa contrapor à Mídia contemporânea e seus cânones? Simples! São boas histórias contadas de modo excepcional. Certo, quase ninguém as lê, mas ainda assim reverberam séculos após sua concepção nas mentes de seus leitores e dos leitores de seus leitores. Desfrutam de peculiar eternidade. Seguirão sendo contadas enquanto houver humanidade. Que jornalista hoje espera mais que a atenção de uns dias?

Quando entrei para a Faculdade, queria ser um colecionador de estórias. Eu partilharia minhas preciosas narrativas com todos, seria lido com a ânsia que a criança (do século XIX) lia Júlio Verne, ou os relatos de um Crusoé. Falaria de terras estranhas e de costumes estranhos, mas não dos encontravéis na face oposta do globo, não, falaria dos que estão incrustados no coração da cidade. Estenderia o mundo aos olhos do mundo, como se apresenta um bicho a si mesmo no espelho e ele se estranha.

Jornalismo para mim era partilhar experiências, engrandecer a vida de cada pessoa com relatos sublimes. Que desvio tomamos, que a informação seguiu na contramão do conhecimento? Em que momento a atualidade adquiriu tal autonomia da História? Afinal, a Humanidade é mais que o instante, é o constante. Ficar preso ao efêmero inda há de nos pôr vazios.

Tinha essa idéia estúpida quando entrei para a Universidade. Mas nada melhor para assassinar a inocência do que constantes doses desse cinismo arrogante dos acadêmicos de alma enrugada. Eles vivissecam passionalmente seu objeto de estudo, violentam com gozo, tomam posse de cada peculiaridade, cada reentrância formal. Tornam-se, enfim, donos de certas verdades invioláveis. Estabelecem dogmas ateus, como quem ergue obeliscos em honra a suas consciências fálicas, rasgando o Céu como à boceta de Pandora.

Aplicam suas regras como quem ata um cão a um canto por uma corrente cortante. Há certo sadismo de sua parte ao ver o sangue escorrer fino dos animais revoltos. Valem-se de seu sarcasmo, com um sorriso irritante, um deboche em forma de pergunta retórica... Somente quando percebem que o aluno adaptou-se à coleira, sossegam e se recostam em suas poltronas reclináveis para os delírios cotidianos.

Gostam de nos empurrar certos conceitos fugazes, inúteis, frustrantes. Não admitem, mas temem a criatividade como quem foge à cruz. Almejam a sociedades perfeitamente regradas, onde reine a infalível Moral, em que cada qual aja conforme o plano, atenha-se ao combinado, e nada seja imprevisível. Têm frêmitos ejaculatórios ao ler “A Revolução dos Bichos”.

A seus aprendizes, carneiros rumo à tosquia, nada resta senão rezar por sua cartilha. Afinal, é isso que é jornalismo, não? Ou será que um outro jornalismo é possível? A resposta, meus amigos, não me cabe dar. Leia a Bíblia.

as normas



Wesley Pereira de Castro, uma das pessoas mais incríveis que já conheci, costuma dizer que "é mais desafiador romper com as normas dentro das normas". Essa frase ele me disse logo que a gente se conheceu, em 2001, e ainda hoje me acompanha. Certa vez, Bruno Pinheiro, outro sujeito fantástico, me disse que o mais interessante em mim era que eu cumpria os requisitos da máxima de Wesley. Mas eu não sabia se desejava um desafio pessoal ou uma subversão mais eficaz.

Entrei para o CMI quando ainda cursava jornalismo, querendo "fazer a diferença". Meu grande feito desse período foi, contudo, fora do coletivo (embora imbuído de seu espírito), quando redigi um panfleto contra a letargia política do jornal laboratório. Naquele momento, como ainda hoje, eu tomava a apatia generalizada como conservadorismo passivo. [Não demorou muito para este deixar sua passividade e mostrar as garras, como se revelou recentemente.] Eu tomei uma posição. Despreparado (ainda mais do que hoje), travei minhas batalhas particulares que fizeram leves ondas na placidez do curso. O futuro era sombrio. Eu seria enquadrado. Comecei um estágio e vi como não me encaixava na profissão que escolhera por ignorância e na qual persistia pela mesma apatia que denunciava nos outros. Percebi que hipocrisia nem sempre é proposital.

Consegui, felizmente, não trabalhar na área de minha graduação. Mal me formei, vi-me inserido no mestrado em Sociologia da UFS, com bolsa Capes e alguma independência. Morando com a namorada perto da universidade que é quase toda a minha vida. Descobri pelas leituras e noites insones que talvez a subversão mais eficaz seja, de fato, aquela que se faz de dentro das normas, mudando o modo de agir das pessoas aos poucos, como o mar a esculpir rochedos. Entrar para a vida acadêmica não só me livrou de ser jornalista, como me garantiu as ferramentas para melhor processar meus pensamentos anárquicos. Sou cada vez mais utópico, cada vez mais sonhador e, em meus delírios, tento formular as bases de uma revolução invencível, porque silenciosa.

E não é que Wesley tinha razão?