15.4.08

profissão de fé

não dá pra não ser de esquerda. pelo menos, não dá para eu não ser de esquerda. quem leu meu primeiro texto (se é que alguém lê que escrevo), percebe os valores que me tocam. por isso, apesar de pressões familiares, acadêmicas ou midiáticas, simplesmente não consigo parar de sentir como esquerdista. não consigo parar de desejar mais igualdade. os clamores direitistas (cada vez mais presentes) me exasperam. não quero conservar tradições caducas. ao meu redor, são muitas as coisas que me adoecem, tão distante estão de meus sonhos. está entranhado em mim esse mal-estar, que se transforma em culpa e revolta.

me disseram que sou inteligente, mas imaturo... que pensarei diferente ao ter filhos, ou após ter lido Fukuyama, Slorterdijk ou Ortega y Gasset. a mim não importa. me mataria se percebesse que começava a acreditar ser superior a quem quer que seja. posso não suportar quase ninguém. "as gentes as amo abstratas", como digo no poema Passeio. mas meus rancores são defeitos meus, dos quais tenho consciência. não quero glamurizar falhas de caráter como se fossem atitudes de livre pensador. liberdade não é o direito do "mais forte" (em nosso caso, seria do mais esperto ou, mais comumente, do mais sortudo). liberdade é não-submissão.

a não ser que consideremos a liberdade um privilégio, e não um direito - sendo portanto algo cabível tão só às elites -, precisamos tomá-la como necessariamente coletiva. só se é livre pra valer quando todos os são (não me vem agora a citação de Sartre correspondente; está em "O Existencialismo é um Humanismo"). socialmente falando, só existe liberdade de fato em sociedades não divididas entre Soberanos e Submissos. nas outras, não se tem mais que um arremedo. na nossa, uma transposição moderada da "liberdade do consumidor" para a vida política. são dispostas à escolha de quem tem cacife um rol de opções previamente escolhidas (Debord fala sobre isso em "A Sociedade do Espetáculo").

a liberdade deve ser aspersa no todo da sociedade. ela não deve ser resultado da cisão entre benditos e desgraçados. liberdade e igualdade se coadunam. a fraternidade é o impulso inicial, a perseverança intermediária e a coesão final. não há contradição entre essas palavras-chave. há simbiose. a direita não defende a liberdade sem igualdade, defende o aprofundamento ou ao menos a continuidade da cisão entre Soberanos e Submissos. defende a distribuição desigual de recursos e oportunidades. levada ao extremo (e é tão fácil levá-la ao extremo), a retórica direitista, com sua sanha hierarquizadora, levaria a um "Admirável Mundo Novo" onde cada indivíduo seria geneticamente construído para realizar uma função determinada (Slortedijk), a uma releitura dos Feudos (TFP) ou a novos genocídios nos moldes da Alemanha de Hitler.

democracia não deveria ser o mero sistema de eleição e legitimação de elites políticas rotativas, mas sim a participação de todos os interessados na tomada de decisões cruciais para todos. só há tal democracia em sociedades que rejeitem a cisão entre Soberanos e Submissos. nesse aspecto, uma verdadeira democracia deve ser fruto da concretização dos valores fundamentais da esquerda. obviamente, há divergências dentro da esquerda (nem sei se podemos falar de "esquerda" em vez de "esquerdas") sobre quais seriam esses valores fundamentais e que meios usar para concretizar tal utopia. ainda assim, não posso situar meu pensamento senão dentro desse multifacetado espectro ideológico, no lado onde pulsa meu coração. portanto, sou de esquerda.

já podem até sugerir conexões com traficantes e terroristas, mas antes terão de me arranjar um convite para o Foro de São Paulo.

2 comentários:

Anônimo disse...

Esquerda, direita... seria bom termos uma opção de centro, um meio termo entre igualdade e competitividade!
Seu blog tá muito bom, mas já tá dando pra ver o reflexo das leituras e do mestrado na sua forma de se expressar.

Diego Calazans disse...

o centro existe. também existe a chamada "terceira via", que tenta mesclar o acúmulo capitalista à redistribuição socialista. é uma releitura contemporânea da social-democracia. sua base é oferecer um seguro coletivo aos infortúnios pessoais, a seguridade social, através de um Estado do bem-estar, um Estado voltado para a garantia de direitos mínimos a cada cidadão, impedindo que eles caiam demais, mas também não empatando seu enriquecimento, desde que esse se faça por vias lícitas - e o novo rico pague os devidos impostos. é um caminho que considero plausível dentro das atuais circunstâncias e razoavelmente adequado para um primeiro momento. é um caminho reformista, não revolucionário.
seus entusiastas mais famosos são Giddens e Bauman.