há quem classifique as posições políticas em liberais e conservadoras. não é muito difícil estabelecer quais são essas últimas (embora esse termo não seja tão preciso quanto parece - falo dele em outra ocasião). mais complicado é determinar o que é um liberal. afinal, se conservadorismo e liberalismo são posturas antitéticas, como pode um conservador notório, como Olavo de Carvalho, aliar-se a assim chamados "liberais" (a "direita bossa-nova") em defesa a dita "economia de mercado" e atacar outros tantos por liberalismos menos palatáveis à sua sensibilidade cristã? como pode um defensor ferrenho das tradições abraçar de tal modo o mecanismo mais eficiente de aniquilamento dessas mesmas tradições? e por que há os que se dizem liberais, mas que clamam a intervenção estatal na economia em nome da própria liberdade?
a única solução para esse impasse é aceitar que há ao menos dois liberalismos:
1. um liberalismo econômico, que preza a "livre concorrência" de bens e serviços;
2. um liberalismo político-cultural, que preza a "livre concorrência" dos modos de vida e de pensamento.
é um equívoco acreditar que não se pode ser liberal apenas em um desses caminhos, mas também não é correto crer que a disponibilidade contínua de múltiplos caminhos existenciais (devidamente formatados para circular no mercado de idéias) possa se sustentar sem o livre-mercado de bens e serviços, com toda a desigualdade que este acarreta. a pluralidade de "tribos urbanas" formando pacotes identitários para consumo é conseqüência das demandas sacralizadas do mercado de bens e serviços. ao contrário do que pensa nosso bom Olavo de Carvalho, o livre-mercado não é a melhor maneira de conservar tradições. ele se fez, se mundializou, de fato, devastando culturas. essa questão chega a ser ponto passivo para muitos. a modernidade, como contínuo processo de destruir para reformar, essa fome incessante pelo sempre-novo, é fruto do capitalismo, e floresce com mais força em locais onde o mercado se move sem intervenções. as tradições são abaladas, quando não destruidas. novas tradições são constantemente inventadas - e já nascem sob o signo da obsolescência programada.
mais coerente era a direita aristocrática, que atacava o liberalismo em todas as suas faces, pois sabia que ele representava a decadência do antigo modelo, o fim dos antigos privilégios (por hereditariedade, principalmente). a direita burguesa, contudo, não conseguiu fugir à esquizofrenia de sua condição instável. são como as criaturas aderidas à roda da fortuna (arcano X). são geralmente nouveaux riches. não podem apelar para o sangue azul ou a decisão de Deus - soam ridículos quando o fazem. ao proletarizarem os antigos servos, ao urbanizarem seu domínio, juntando culturas diversas num mesmo espaço, contribuíram para a ubiqüidade da desconfiança que rege as atuais relações. a ciência e a técnica cresceram muito sob os auspícios de industriais e comerciantes. cresceu também, com isso, a razão instrumental. com ela, a exigência de provas (até a Igreja parece curvar-se à ciência - mas só em aparência, claro).
ao transformar tudo que dava em mercadoria, até a própria identidade - e assim os elos culturais - foi mercantilizada. o livre fluxo de bens não pode acontecer sem o livre fluxo de gente e de idéias. o choque contínuo entre estranhos ajudou a relativizar as crenças para alguns, mas fez outros tantos fecharem-se para o mundo. a modernidade engendrou o cosmopolitismo do mesmo modo que permitiu o surgimento dos fundamentalismos que hoje a assaltam. os fundamentalismos são respostas de tradições ao avanço do liberalismo cultural com seu "tudo é válido", todas as diferenças devem ser defendidas (desde que essas diferenças defendam elas mesmas as diferenças alheias, isto é, desde que só sejam diferentes na superfície, mas liberais na essência), o que quer dizer que nenhuma diferença é significativa o suficiente para dominar as outras, só o próprio liberalismo cultural - que serve de cultura suserana sob a qual as culturas vassalas podem subsistir. a mensagem passada é a de que o destino de cada um está sob seu controle, quedamos ante a suprema decisão da pessoa quanto ao caminho que deve seguir. cada qual escolhe que cultura vai usar hoje.
há fluxos e refluxos, mas em sua base os liberalismos se complementam. o capitalismo e a modernidade são faces da mesma moeda. os feiticeiros não sabem lidar com o demônio que evocaram (diriam-no Marx e Engels tão acertadamente). não dá pra ter capitalismo e aristocracia ao mesmo tempo, como há quem queira. não dá pra democracia ser uma busca pessoal pela liberdade, como quer Olavo de Carvalho, com a hierarquia fluida que o capitalismo demanda. não dá pra manter claro quem está por cima, quem manda. as elites são momentâneas e baseadas em algo tão casual, tão efêmero, quanto a posse de dinheiro, esse recurso fugaz que não vê nome nem vê credo - para o quê nada há de sagrado. a economia de cassino em que vivemos não liga para as idéias babacas tão custosamente defendidas por velhos beatos. múltiplas orientações sexuais, religiosas, políticas, organizações familiares heterodoxas, tudo pode, tudo é válido, desde que venda, desde que dê lucro. o Mercado não é um enviado de Fátima. está muito mais para um acólito de Baco - e eis aí uma qualidade que vejo nele (apesar de tudo).
Moloch quer ouro! Moloch quer óleo! Moloch quer almas!
a única solução para esse impasse é aceitar que há ao menos dois liberalismos:
1. um liberalismo econômico, que preza a "livre concorrência" de bens e serviços;
2. um liberalismo político-cultural, que preza a "livre concorrência" dos modos de vida e de pensamento.
é um equívoco acreditar que não se pode ser liberal apenas em um desses caminhos, mas também não é correto crer que a disponibilidade contínua de múltiplos caminhos existenciais (devidamente formatados para circular no mercado de idéias) possa se sustentar sem o livre-mercado de bens e serviços, com toda a desigualdade que este acarreta. a pluralidade de "tribos urbanas" formando pacotes identitários para consumo é conseqüência das demandas sacralizadas do mercado de bens e serviços. ao contrário do que pensa nosso bom Olavo de Carvalho, o livre-mercado não é a melhor maneira de conservar tradições. ele se fez, se mundializou, de fato, devastando culturas. essa questão chega a ser ponto passivo para muitos. a modernidade, como contínuo processo de destruir para reformar, essa fome incessante pelo sempre-novo, é fruto do capitalismo, e floresce com mais força em locais onde o mercado se move sem intervenções. as tradições são abaladas, quando não destruidas. novas tradições são constantemente inventadas - e já nascem sob o signo da obsolescência programada.
mais coerente era a direita aristocrática, que atacava o liberalismo em todas as suas faces, pois sabia que ele representava a decadência do antigo modelo, o fim dos antigos privilégios (por hereditariedade, principalmente). a direita burguesa, contudo, não conseguiu fugir à esquizofrenia de sua condição instável. são como as criaturas aderidas à roda da fortuna (arcano X). são geralmente nouveaux riches. não podem apelar para o sangue azul ou a decisão de Deus - soam ridículos quando o fazem. ao proletarizarem os antigos servos, ao urbanizarem seu domínio, juntando culturas diversas num mesmo espaço, contribuíram para a ubiqüidade da desconfiança que rege as atuais relações. a ciência e a técnica cresceram muito sob os auspícios de industriais e comerciantes. cresceu também, com isso, a razão instrumental. com ela, a exigência de provas (até a Igreja parece curvar-se à ciência - mas só em aparência, claro).
ao transformar tudo que dava em mercadoria, até a própria identidade - e assim os elos culturais - foi mercantilizada. o livre fluxo de bens não pode acontecer sem o livre fluxo de gente e de idéias. o choque contínuo entre estranhos ajudou a relativizar as crenças para alguns, mas fez outros tantos fecharem-se para o mundo. a modernidade engendrou o cosmopolitismo do mesmo modo que permitiu o surgimento dos fundamentalismos que hoje a assaltam. os fundamentalismos são respostas de tradições ao avanço do liberalismo cultural com seu "tudo é válido", todas as diferenças devem ser defendidas (desde que essas diferenças defendam elas mesmas as diferenças alheias, isto é, desde que só sejam diferentes na superfície, mas liberais na essência), o que quer dizer que nenhuma diferença é significativa o suficiente para dominar as outras, só o próprio liberalismo cultural - que serve de cultura suserana sob a qual as culturas vassalas podem subsistir. a mensagem passada é a de que o destino de cada um está sob seu controle, quedamos ante a suprema decisão da pessoa quanto ao caminho que deve seguir. cada qual escolhe que cultura vai usar hoje.
há fluxos e refluxos, mas em sua base os liberalismos se complementam. o capitalismo e a modernidade são faces da mesma moeda. os feiticeiros não sabem lidar com o demônio que evocaram (diriam-no Marx e Engels tão acertadamente). não dá pra ter capitalismo e aristocracia ao mesmo tempo, como há quem queira. não dá pra democracia ser uma busca pessoal pela liberdade, como quer Olavo de Carvalho, com a hierarquia fluida que o capitalismo demanda. não dá pra manter claro quem está por cima, quem manda. as elites são momentâneas e baseadas em algo tão casual, tão efêmero, quanto a posse de dinheiro, esse recurso fugaz que não vê nome nem vê credo - para o quê nada há de sagrado. a economia de cassino em que vivemos não liga para as idéias babacas tão custosamente defendidas por velhos beatos. múltiplas orientações sexuais, religiosas, políticas, organizações familiares heterodoxas, tudo pode, tudo é válido, desde que venda, desde que dê lucro. o Mercado não é um enviado de Fátima. está muito mais para um acólito de Baco - e eis aí uma qualidade que vejo nele (apesar de tudo).
Moloch quer ouro! Moloch quer óleo! Moloch quer almas!
2 comentários:
É impressão minha ou há um certo rancor nas suas palavras ultimamente?
não é impressão. o blog é um modo de expurgar o rancor. a tendência é piorar. falta pouco pra eu fazer que nem o Dahmer e ter de beber pra dormir. :D
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